domingo, 25 de abril de 2010

Fidelidade na Amizade através da Mentoria Cristã


I Samuel 18.1-4.
Texto de Alcindo Almeida – 21/09/2009

“Eu poderia suportar embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos. Alguns deles eu não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me faz seguir em frente pela vida, mas é delicioso que eles saibam e sintam que eu os amo, embora não declare e nem os procure sempre”.

Fidelidade, palavra e atitude difícil de ser ouvida e vivida hoje. E neste livro quero levar você a refletir e sobre a fidelidade nas suas amizades e resgatar a valor da verdadeira amizade. Fidelidade significa a “firmeza e certeza de propósitos, uma atitude justa, uma devoção de alguém a uma pessoa ou a uma causa. Tudo feito pela confiança, sinceridade e pela lealdade verdadeira” (CHAMPLIN, 1995, p. 725).
Eu desafio você a resgatar neste Século conturbado, impreciso e desgastado, amizade fiel, como aquela história do Conde Monte Cristo e seu serviçal, que dizia a ele: Eu o protegerei de você mesmo para não se perder na vida.
Sei que poderão surgir inúmeras perguntas: Por que será que temos tanto medo de nos entregar nas amizades? Por que temos medo de ser amigos dos outros se é Deus que nos dá pessoas que nos ajudam a permanecer no caminho e nos ajudam a voltar para o centro? Por que não valorizamos orientadores espirituais para nos ajudarem na vida cotidiana? Por que somos pessoas tão desconfiadas nas amizades?
Por que temos medo de procurar alguém que abrace e ouça as dores e angústias da nossa alma? Um pastor, um amigo, uma amiga?
Fidelidade a outros é o que devemos cultivar na vida cristã. Olhando um pouquinho sobre a vida de dois homens de Deus, os quais cultivaram um amor nobre, um amor sincero e verdadeiro, um amor que os aproximava para que dividissem a dor e a alegria de cada um deles.
Dois amigos que celebravam de corpo e alma uma verdadeira amizade. Com toda a certeza poderemos resolver estes conflitos nas dificuldades de amizade. E poderemos trabalhar com fidelidade as nossas amizades.
No capítulo 18 de I Samuel vemos a vida de dois homens de Deus: Davi e Jônatas Lá há o encontro dos dois heróis de Israel, Jônatas, filho de Saul, o rapaz querido por todo o povo e Davi, o filho de Jessé também querido por todo o povo de Israel.
Neste texto há o encontro do amado de Deus e de Jeová deu. Provavelmente a notícia da vitória de Davi sobre o gigante Golias impulsionou Jônatas para procurar Davi e saber quem era aquele que bravamente lutara em favor do seu povo. E finalmente vemos o encontro de duas pessoas que tinham na alma a nobreza do amor, da amizade, da comunhão e da sinceridade de caráter.
Quais são os princípios que o texto nos ensina?

1. A amizade fiel está enraizada no coração:

No versículo 1 vemos que Jônatas ligou o seu coração ao coração de Davi, amarrou, colou o seu coração no coração de Davi. A idéia desse verbo ligar no original hebraico é de se obrigar a amarrar, é a idéia de se comprometer muitíssimo com essa ligação. Isto aconteceu na vida desses rapazes, eles se ligaram muitíssimo, firmaram nesse dia uma amizade que foi enraizada no coração deles. Jônatas amou a Davi como a sua própria alma.
Quantos têm uma amizade assim? Uma amizade que é enraizada não no dinheiro que o outro tem, no carro, na beleza, no bom papo, na casa de praia e etc. Mas, uma amizade que é enraizada espontaneamente no coração. Uma amizade sincera e pura. Um irmão que é amigo nas alegrias e principalmente nas tribulações. Uma amizade que mesmo quando se chateia, continua sendo amizade verdadeira e singela.
O dinheiro compra qualquer coisa na terra. Ele só não compra a realidade da amizade verdadeira. Pois, só a tem quem é amado de Deus, quem é tocado por Deus, quem é sensibilizado por Deus. A amizade é uma das maiores dádivas que o ser humano pode receber. Ela está para além dos alvos comuns, dos interesses compartilhados.
Olhando para a vida destes amigos: Jônatas e Davi percebemos uma amizade que se traduz na alegria de dar e receber, de amar e de sofrer, de confiar e se entregar sem nenhuma reserva (BARBOSA, 1999, pp.13-19).
Vivemos numa sociedade em que o culto ao individualismo, a busca pela realização pessoal, a satisfação imposta pelo consumismo presente, tem criado em nosso coração uma sensação falsa de preenchimento e uma percepção cínica da amizade. Por isso, na relação de amizade baseada em Jônatas e Davi, causa estranheza a nós.
A lição para nós é que devemos cultivar amizade enraizada no coração, como foi na vida de Davi e Jônatas. Pois, foi esta amizade que privou Davi da loucura, da amargura, da doença e da vingança. Essa fidelidade entre estes dois moços de Deus privou Davi de cometer até a própria morte de Saul. Jônatas através de uma fidelidade sem medida poupou Davi de violentar a sua própria alma.
Deus quer nos usar como instrumentos para sermos amigos de corpo e alma do nosso próximo. Lembrem-se destas palavras de Salomão: Em todo tempo ama a amigo; e na angústia nasce o irmão (Pv. 17.17). O homem que tem amigos pode congratular-se; mas há amigo mais chegado do que irmão (Pv. 18.24).
Há um Poema de Vinícius de Morais que diz assim:

“Eu poderia suportar embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos. Alguns deles eu não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me faz seguir em frente pela vida, mas é delicioso que eles saibam e sintam que eu os amo, embora não declare e nem os procure sempre”.

A parte que me chamou a tenção no poema foi: “... mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos”. Vemos esta verdade na vida desses dois amigos inseparáveis. Quando olhamos o texto de I Samuel 18.8 que Saul estava embrutecido e cheio de inveja no coração em relação a Davi. Saul mostra que está disposto a matar Davi. Mas, não obstante a essa situação, a reação de Jônatas em relação ao seu amigo Davi é de amizade profunda.
No capítulo 19.1 é afirmando que Saul pediu a Jônatas e a todos os seus servos, para que matassem a Davi. Porém, o texto afirma que Jônatas, filho de Saul estava muito afeiçoado a Davi.

Vejam como ficou o coração de Saul por causa do ódio. Ele ficou azedo, cego em relação a Davi. Tanto que não ouviu a palavra de Jônatas no versículo 4 de que não deveria pecar o rei contra seu servo Davi, porque ele não pecara contra o rei e porque os seus feitos para com o rei eram muito bons. No início até disse a Jônatas que não faria nada. Mas, o ódio corrompeu o coração de Saul e o cegou diante das ações extraordinárias de Davi para com Israel.
Na experiência de perseguição de Saul a Davi vemos a amizade e companheirismo que Deus quer que tenhamos. Ele quer que sejamos leais com o nosso irmão. Nos versículos dois a cinco dizem: “Pelo que Jônatas o anunciou a Davi, dizendo: Saul, meu pai, procura matar-te; portanto, guarda-te amanhã pela manhã, fica num lugar oculto e esconde-te; eu sairei e me porei ao lado de meu pai no campo em que estiveres; falarei acerca de ti a meu pai, verei o que há, e to anunciarei”.
Que preciosa a lealdade deste jovem Jônatas. Ele se preocupa com seu amigo Davi. Ele quer falar bem de Davi para evitar o mal em sua vida. Ele arrisca a sua vida para defender o seu parceiro. Ele pede para o seu pai não pecar contra Davi. Ele elogia a Davi mostrando ao seu pai os grandes benefícios que ele fez para o povo.
Deus quer relacionamentos semelhantes ao de Davi e Jônatas. Um relacionamento que visa o crescimento e a glória do outro. Um relacionamento que visa à preservação da vida do outro. Um relacionamento que de fato está enraizado no coração da gente. Um relacionamento que não gera desconfiança em nenhum momento. Percebam que Jônatas está diante do próprio pai que é rei de Israel. E assim, mesmo ele se coloca para defesa e demonstração da sua lealdade para com o seu amigo.
Sejamos leais para como os nossos amigos. Não importa o preço que paguemos, sejamos absolutamente leais. O filme de sucesso Senhor dos anéis mostra a história de Frodo e Sam. Os dois seguiam juntos para o rumo de destruir o anel para a paz na terra. E Sam quase perde a sua vida, é humilhado, apanha e passa fome. Alguns colocam em dúvida a sua lealdade para com Frodo, mas, ele segue em frente até o fim e é reconhecido como amigo leal de Frodo e todo o reinado de Aragon se curva diante destes dois amigos leais.
Deus quer que sejamos leais nas amizades. A lealdade é marca do cristianismo. Muitos homens marcaram a história por causa da lealdade na amizade. Jônatas e Davi são parte desta história que nos desafia a lutar pela lealdade, sinceridade e companheirismo no relacionamento. Pela amizade enraizada no coração.
No capítulo 19.12-15 lemos: “E disse Jônatas a Davi: O Senhor, Deus de Israel, seja testemunha! Sondando eu a meu pai amanhã a estas horas, ou depois de amanhã, se houver coisa favorável para Davi, eu não enviarei a ti e não to farei saber? O Senhor faça assim a Jônatas, e outro tanto, se, querendo meu pai fazer-te mal, eu não te fizer saber, e não te deixar partir, para ires em paz; e o Senhor seja contigo, assim como foi com meu pai. E não somente usarás para comigo, enquanto viver, da benevolência do Senhor, para que não morra, como também não cortarás nunca da minha casa a tua benevolência, nem ainda quando o Senhor tiver desarraigado da terra a cada um dos inimigos de Davi”.
Uma pergunta que ecoa no coração é: Que tipo de amizade é essa?
Jônatas sabe das intenções de seu pai e o desejo do seu coração é de abençoar a vida de Davi poupando-o da morte. No versículo quatro Jônatas diz: O que desejas tu que eu te faça?
Davi também deseja que Jônatas o abençoe e pede para que use de misericórdia para com ele em nome da aliança no Senhor. E depois de fazerem aliança, Jônatas deseja a bênção do Senhor sobre a vida de Davi porque ele o amava com todo o amor da sua alma (versículo 17).
E quando Jônatas está na mesa diante de uma situação difícil, ele continua abençoando a vida de seu irmão. Saul levantou a lança para o ferir e assim entende Jônatas que seu pai tinha determinado matar a Davi. E ele abençoa Davi quando se levanta da mesa, e no segundo dia do mês não come. Porque ele se magoa por causa de Davi, porque seu pai o tinha ultrajado. Ele mostra o quanto é bênção para o seu amigo e vai ao encontro dele para abençoá-lo e reafirmar a aliança. O texto narra o encontro profundo entre eles.
O versículo quarenta e um diz: “Logo que o moço se foi, levantou-se Davi da banda do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes; e se beijaram um ao outro, e choraram ambos, mas Davi chorou muito mais”. O versículo quarenta e dois diz: “E disse Jônatas a Davi: Vai-te em paz, porquanto nós temos jurado ambos em nome do Senhor, dizendo: O Senhor seja entre mim e ti, e entre a minha descendência e a tua descendência perpetuamente”.
Ele mostra o quanto é abençoador da vida de seu amigo Davi e diz: Vai-te em paz. Deus quer que sejamos iguais a Jônatas e Davi, leais, sinceros e instrumentos de bênçãos para os outros. Deus quer que tenhamos uma aliança que abençoa, que dignifica o outro. Que faz a gente defender o outro custe o que custar.
Um filme que me marcou demais foi Ninguém é perfeito (Robert de Niro e Tim Robins). O homem muito forte, um herói do FBI, sofre um enfarto e enquanto ele estava bom, todos estavam perto dele. Agora, debilitado, sem forças não tem ninguém ao seu lado, a não ser aquele que ele menosprezava antes. Este é o que se torna o amigo leal dele, este que cuida dele. Que o leva para um lugar de segurança.
Deus que sejamos bênçãos para os amigos. Porque amanhã pode ser que precisemos daqueles que menos acreditamos que precisaremos. Um livro extraordinário que li recentemente foi Eu lhe desejo um amigo de Anselm Grün. Ele diz algo profundo sobre a amizade:

“A amigo ao lado nos dá forças para continuar apesar de todas as adversidades. Ele nos sustenta quando estamos a ponto de ir ao chão, de costas com a parede. Ele nos motiva na ousadia pela vida. Sem amigo corremos o risco de perder o chão sob os pés. Sabendo que meu amigo me apóia, os problemas se relativizam. A conversa com o amigo faz com que eu veja os problemas sob outra luz. A proximidade de um amigo se torna uma proteção contra as emoções negativas que me chegam de fora. Ela contrabalança tudo aquilo que de pesado cai diariamente sobre mim” (GRÜN, pp. 42-43).

Os grandes homens e mulheres de Deus puderam experimentar essa amizade verdadeira: José e seu irmão Benjamim; Calebe e Josué; Rute e Noemi; Isabel e Maria; Paulo e Silas; Paulo e Timóteo; Paulo e Lucas; Paulo e Epafrodito; Jesus e os três discípulos mais chegados (Pedro, João e Tiago). Precisamos buscar este tipo de amizade que é paradigma, padrão para nossa vida. Uma amizade enraizada no coração, assim, como aconteceu na vida de Jônatas e Davi.
Henri Nouwen diz que amizades enraizadas no coração nos permitem estar profundamente envolvidos com o sofrimento do mundo sem sermos tragados por ele (NOUWEN, 1999, p. 79).
Há um poema desconhecido sobre amigos e que vale a pena lermos:

“Amigos são flores... Amigos são poemas... Como flores devem ser cultivadas com carinho e dedicação, para que as tempestades da vida não esfacelem suas pétalas e para que possamos ter seu perfume em todas as estações. Como poemas, devem ser sentidos nas fibras mais sutis da alma, com respeito e gratidão para que sejam a melodia risonha a embalar nossas horas em todos os períodos do ano”.

O segundo princípio que aprendemos é:

2. A amizade fiel gera autodoação e altruísmo:

O que significa essa palavra altruísmo? Ela significa que devemos amar o próximo com a intenção de desprendimento de todos os nossos interesses. É o princípio de abnegação, é exatamente o contrário de ser egoísta. É o princípio de renúncia para satisfazer as necessidades do outro.
Isso aconteceu na vida de Jônatas e Davi. Eles firmaram uma aliança por causa da amizade verdadeira e sincera. Jônatas amava a Davi como a sua própria alma como afirma o versículo 3. E Jônatas exercitou o princípio do autodoação e desprendimento dos seus interesses a fim de mostrar o seu amor e consideração por seu amigo Davi. O versículo 4 afirma que ele deu, abriu mão: da sua capa, dos seus vestidos, da sua espada, do seu arco e do seu cinto demonstrando amor e amizade pelo ungido do Senhor. O fato de Jônatas ter dado todas essas coisas a Davi foi um sinal público de honra prestada ao seu amigo Davi.
Quantos têm buscado esse princípio de altruísmo na relação com o próximo? De se dar sem interesses pessoais, mas, porque você ama o seu irmão independentemente do que ele é ou do que ele possui. Quantos têm se preocupado em investir no outro. De querer o melhor para o outro? É bom que nos lembremos de que: A preocupação do amor é se dar e se dar, não se afirmar. Porque o amor é o contrário do egoísmo.

Precisamos nos engajar nessa prática do altruísmo. E só poderemos fazer isto quando o alicerce da nossa amizade com o próximo for igual ao de Jônatas e Davi, o alicerce deles era Deus.
O amor de Deus é o único que torna possível o nosso amor e consideração pelo nosso próximo. A amizade e comunhão existem a partir de Deus. Não é um resultado de técnicas e estruturas que promovem a amizade e os relacionamentos, mas, Deus mesmo é a causa da amizade (BARBOSA, 1999, p.15). Não tenha medo de se dar para o outro. No livro No limiar da esperança - Daine Langberg disse:
“O medo nos coloca na defensiva, o amor acolhe. O medo leva a se esconder, o amor procura. O medo silencia, o amor se expressa. O medo traz pânico, o amor traz esperança. O medo mantém um registro, o amor perdoa gratuitamente” (LANGBERG, 2000, p. 198).

Amigos são dádivas de Deus, não os fabricamos, apenas os recebemos com alegria e gratidão e cultivamos com eles, amor e dedicação diária (BARBOSA, 1999, p. 51).
Quando temos medo de amar e ser amados, dificilmente construiremos vínculos da amizade e de comunhão. Na amizade com todas as suas limitações é que podemos experimentar o amor incondicional e ilimitado do nosso Pai.
A amizade é o encontro de almas que promove a nobreza do amor. É nela que aprendemos a dar e receber, a amar e sermos amados, a perdoar e compreender. Aprendemos a cuidar, consolar, confrontar e compartilhar alegrias e tristezas (BARBOSA, 1999, p.49).
Fomos chamados para a amizade, portanto, precisamos pedir ao Senhor para que coloque no nosso coração o desejo ardente de buscarmos amizades enraizadas no coração, acompanhadas de autodoação e de altruísmo. Vocês já perceberam que faltam amigos para buscarmos a Deus junto?
Há um texto clássico de Aelred de Rievaulx – Da amizade. Ele fala da necessidade de termos amigos na jornada cristã. Precisamos de conversas da alma para aprender com os outros. Temos de ter uma conversa que nos leva para o crescimento espiritual.
Aelred de Rievaulx afirma que uma amizade em Cristo nos ajuda a evitar as distrações no caminho da fé. A espiritualidade na amizade fiel nos ajuda a sair das distrações e tentações que o mundo joga sobre nós. Ele fala de quatro tipos de amizades:

1. Amizade funcional: uma amizade que não envolve a intimidade e coração. As pessoas só buscam ressonância naquilo que lhes interessa. Elas são pontes e afirmação para aquilo que nos empenhamos a fazer. Ela não penetra nos dilemas da alma. Essa amizade não foi a lógica de Davi e Jônatas porque eles se amavam de maneira fiel e sincera.

2. Amizade receptiva: relacionamento entre mestre e aluno. Entre o maduro e aquele que está crescendo. A partir do relacionamento desse nível quando há um superior, não haverá preocupação em partir para o lado mais profundo da aliança de amizade. Esse tipo é de mão única. A pessoa se abre só para saber as soluções e não para a abertura das limitações pessoais. É uma amizade de executivos que só se relacionam como gerente e subordinado.

3. Amizade recíproca: acontece quando duas pessoas têm disposições para caminharem lado a lado e tirarem suas máscaras. É quando acontece a necessidade de não julgar um ao outro. A idéia de caminhar junto na direção da graça de Deus na vida. Essa amizade é fundamental para a vida da igreja porque:

• Necessitamos de pessoas que prestem atenção nas outras: Jesus para a fim de ouvir a mulher pecadora. Ele para e ouve a multidão. Ele sensibiliza diante da mulher com o fluxo no sangue. Ele para e ouve Zaqueu um publicano. Ele se encontra com um jovem confuso com suas riquezas e posses. Nenhuma resposta de Jesus obedece a um padrão. Não é a mesma para Nicodemus e nem para o jovem rico. As suas respostas são de acordo com a singularidade de cada um. Jesus se preocupa com o ministério da atenção. Aprendemos com Jesus que a arte de ouvir potencializa até mesmo os efeitos dos antidepressivos. Jesus vivia a arte de ouvir e de dialogar com todas as pessoas e ele fazia isso com atenção. Como diz Augusto Cury: “Ele entrava no lar, na história e no mundo das pessoas” (CURY, O mestre da sensibilidade. 2006, p. 117).
Jesus era mestre em prestar atenção na dor dos outros. Ele sempre queria saber do ser e não do que cada tinha ou deixava de ter. E aqui está o princípio que deve fazer parte da nossa vida, olhar para o ser das pessoas. Jesus influenciava as pessoas através da sua atenção a ponto delas encontrarem sentido no próprio ser.
As pessoas quando recebiam a atenção de Jesus aprendiam a criar raízes dentro de si mesmas e passavam a ver a vida numa perspectiva mais nobre mesmo diante das suas misérias e dores existenciais (CURY, O mestre dos mestres. 2006, p. 115).

• Dentro do contexto da atenção Jesus particulariza a experiência da fé: a massificação inclui a pessoa na sociedade, mas, a exclui da natureza singular do ser. O encontro de Jesus com Nicodemus é retratado pela busca do significado real da fé. Jesus personaliza a experiência da fé na vida de Nicodemus. Ele personaliza a experiência da fé na vida da mulher adúltera e de Zaqueu. Deus nos convida a fazer como Jônatas e Davi fizeram, eles personificaram a fé deles numa aliança de amizade fiel e verdadeira.

4. Amizade da união de almas: para Rievaulx a união de almas envolve a graça de Deus para unir os corações na mesma direção. Ele usa exatamente o exemplo da amizade entre Jônatas e Davi. Ela vai para além da reciprocidade e envolve uma comunhão que transcende as empatias. Isto é autodoação na perspectiva da graça de Deus. É a amizade eucarística.
É como Jesus fez com os seus discípulos em que ele entregou o seu corpo e sangue em amor. Esta amizade envolve corpo, intelecto e alma. O problema dessa amizade nos nossos dias é a individualidade marcante e opressora. Porque ninguém quer sair da identidade funcional e distante. Não temos facilidade de conviver com as pessoas de maneira transparente. Sempre vivemos em função do forte e do competente. O que se expõe é fraco, é bobo e inferior.
A nossa cultura não valoriza o fraco e dependente na vida. Falar de união e santa na amizade é algo ridículo e sem a menor relevância na nossa cultura brasileira.
Somos chamados para ser canais da graça de Deus de uns com os outros através dessa amizade fiel. O problema é que temos dificuldades de nos expor para as pessoas. O chamado de Deus é sempre relacional e nunca distante.
A vida da fé precisa se expressar através da nossa relação com Deus e com o próximo. Os verdadeiros amigos procuram conhecer a nossa história. E nos ajudam a discernir os propósitos de Deus na nossa vida. Isso é amizade fiel semelhante à de Jônatas e Davi. Precisamos de amigos que participam da nossa história.
A Bíblia diz para não termos fé no ser humano, e sim, amá-lo. A fé nós temos em Deus. Amar o ser humano é ir contra a correnteza. A natureza humana odeia, não ama. O nosso papel como criação de Deus é levar as pessoas de volta para a humanidade, para o lugar onde os homens estão. Este caminho de retomada da humanidade é o caminho do serviço e da amizade. Deus faz ação social a vida toda. Então todo ato em favor do homem é um ato social. O sócio–ser deve fazer parte do nosso estilo de vida enquanto comunidade.
John Stott no seu livro Ouça o Espírito ouça o mundo afirma que é no amor que nos encontramos e nos realizamos. Além do mais, não é preciso ir muito longe para buscar a razão para isso. É porque Deus é amor em sua essência, de tal forma que quando ele nos criou à sua imagem ele nos deu a capacidade de amar assim como ele ama (STOTT, 1998, p. 60).
Viver é amar e sem amor murchamos e morremos. Sem o amor dos amigos nós definhamos e morremos. Agostinho dizia que alma onde ela ama, não onde ela exista.
O amor da união das almas é autodoador. A verdadeira liberdade no Reino de Deus é a liberdade para sermos nós mesmos, assim como Deus nos fez e como pretendia que fosse. Mas, o fato é que ele nos fez para amar e sermos amados. Amar é se dar e aí que mora a liberdade no Reino. Eu me dou e passo a ser livre do egoísmo e da soberba. A liberdade é de amar e de ser amado todos os dias por aqueles que são de Deus e nos doam a alma como Jônatas fez com Davi em termos de amizade.
Na perspectiva do Reino de Deus para sermos livres temos de servir e por isso. O nosso grande mestre afirmou que no seu Reino um serve o outro. Para viver em liberdade temos de morrer para o nosso próprio egocentrismo. E para nos encontrar conosco mesmos temos de nos dar em amor e amizades (STOTT, 1998, p. 60).
John Stott afirma:

“A verdadeira liberdade é, pois, exatamente o oposto do que muita gente pensa. Não é ser livre de toda a respon¬sabilidade que tenho para com Deus e os outros, a fim de viver para mim mesmo. Isto é ser escravo do meu próprio egocentrismo. Pelo contrário, a verdadeira liberdade é a libertação do meu tolo e diminuto ego, a fim de viver responsavelmente em amor a Deus e aos outros” (STOTT, 1998, p. 61).

Aristóteles dizia que na observação de um amigo é que chegamos a um verdadeiro conhecimento de nós mesmos. Para ele o amigo é um espelho. Ele diz que se quisermos ver nosso próprio rosto, temos que lançar um olhar no espelho; assim também se quisermos conhecer a nossa singularidade temos de olhar para um amigo (GRÜN, 2006, p.54).
Ao lado do nosso amigo experimentamos uma nova maneira de ser para que nos doemos mais. E assim entendamos a idéia do sócio-ser. E essa idéia passa pela atitude de morrer para o ego e se dar para o outro sem qualquer restrição. Aliás, quando falamos de entrega incondicional é inevitável não lembrar da amizade de Jônatas e Davi.
Jônatas e Davi evidenciam a realidade de doação para o outro. Jônatas presta ação social quando vai ajudar Davi no campo e espiritual quando o consola na dor. O texto de I Samuel 23.14 afirma que Davi ficou no deserto, em lugares fortes, permanecendo na região montanhosa no deserto de Zife. E Saul o buscava todos os dias, porém Deus não o entregou na sua mão. De repente, neste exílio no versículo dezesseis diz que se levantou Jônatas, filho de Saul, e foi ter com Davi em Hores e o confortou em Deus.
Vejam as palavras profundas de Jônatas para Davi no versículo 17: “E disse-lhe: Não temas; porque não te achará a mão de Saul, meu pai; porém tu reinarás sobre Israel, e eu serei contigo o segundo; o que também Saul, meu pai, bem sabe”.
Uma vez uma amiga me mandou esta frase:

“Amigos são tão amigos, que voltam. São tão fraternos, que se unem. São tão simples, que cativam. São tão desprendidos, que doam. São tão dignos, que amam, compreendem e perdoam”.

Como Deus é maravilhoso em nossa vida. Ele nos faz descobrir nos momentos de abandono, de frustração que ele cuida de nós com amor profundo e sempre manda um amigo leal que está disposto a ser solidário quando enfrentamos a solidão (versículo 16).
Descobrimos nos momentos de frustração que um amigo nos coloca no centro novamente, mesmo que isso signifique perda para ele (versículo 17) Vejam a mentoria da parte de Deus na vida de Davi. Através de Jônatas Deus faz Davi levantar a sua cabeça e olhar para frente. Olhem as afirmações animadoras de Jônatas:

1- Não temas; porque não te achará a mão de Saul, meu pai;
2- Tu reinarás sobre Israel,
3- Eu serei contigo o segundo; o que também Saul, meu pai, bem sabe.

Davi está no deserto sendo perseguido, foi traído pelos homens de Queila e no meio dessa frustração, vem através do instrumento de Deus palavras que recolocam Davi no caminho. É exatamente assim que Deus trata conosco. Através de amigos, ele demonstra ser o nosso Pai, o nosso amigo, a nossa casa e jamais deixa de viver conosco todos os momentos de nossa vida. E isso acontece no meio das frustrações e realizações da vida.
O texto continua e Deus mostra o quanto ama a Davi e não permite que Saul toque em sua vida quando tem-no nas suas mãos, o leva para En-Gedi, o lugar seguro (versículo 29).
Henri Nouwen diz algo profundo para nossa reflexão:

“A casa é o centro do meu ser, onde posso ouvir a voz que diz : Você é meu filho amado, sobre você ponho todo o meu carinho”  a mesma voz que deu vida ao primeiro Adão ; a mesma voz que fala a todos os filhos de Deus e que os liberta para viver no meio de um mundo sombrio embora permanecendo na luz. É a voz do amor que é eterno, perdura para sempre e se transforma em afeto quando ouvida. Quando a ouço, sei que estou em casa com Deus e nada tenho a temer. Como o filho amado de meu pai celestial, “ainda que eu caminhe por um vale tenebroso, nenhum mal temerei” (Salmo 23.4).Como filho amado posso interpelar, consolar, admoestar e encorajar sem medo de ser rejeitado ou necessidade de afirmação. Como o amado, posso sofrer perseguição sem desejo de vingança e receber cumprimentos sem precisar utilizá-los como prova de minha bondade. Como o amado, posso ser torturado e morto sem duvidar que o amor que me é transmitido é mais forte do que a morte. Como o amado, sou livre para viver e dar a vida, livre também para morrer enquanto estou dando” (NOUWEN, 1997, pp. 42, 43).

Só temos uma igreja relevante quando ela serve, quando ela se volta para a humanidade em amizade e compreensão.

Temos uma igreja relevante quando ela se envolve com a justiça, com os direitos humanos e com o cuidado dos pobres. Quando olhamos para Jesus percebemos que transformava prostitutas e as mandava de volta para a comunidade. Ele transformava um Zaqueu numa nova criatura, num filho de Abraão e o inseria para a comunidade.
Temos de invadir o mundo e mostrar um novo jeito de ser humanidade. Se não fizermos isto, perderemos a relevância na humanidade. Temos que ter discursos com vida, com coisas que tocam o coração através da amizade e fidelidade. A nossa relevância vai aparecer no ser sal da terra e luz do mundo de maneira amiga e fiel.
Augusto Cury no seu livro O Mestre da vida afirma que cada ser humano por mais anônimo que seja, possui uma história espetacular, mas não se dá conta disso. E isso acontece muitas vezes porque o ser humano que está ao lado não imita Jesus na consideração das pessoas e na amizade para com elas (CURY, 2006. p. 147).
Como precisamos aprender com Jesus o que significa servir as pessoas. Ele dava importância à história e conflitos de cada pessoa. Ele treinava a sensibilidade dos seus discípulos para que aprendessem a se doar como ele o fazia.
Todos queriam que Jesus estivesse no patamar mais alto do poder e da fama, mas ele procurava os doentes, aqueles que estavam deprimidos, ansiosos e fatigados pela vida. Nunca alguém como Jesus desenvolveu a mais fina arte da sensibilidade de amar e se dar pelas pessoas (CURY, 2006. p. 155).
Jesus ensinou aos seus discípulos a apreciarem o convívio com as pessoas, para serem capazes de analisar o comportamento e perceberem os sentimentos mais ocultos. E assim serem sábios e atraentes para com as pessoas no falar. Como precisamos dessa realidade na fidelidade da mentoria na amizade. O patrimônio da vida é conviver com as dores dos outros, isso com amor e graça semelhantes à de Jesus Cristo. Talvez uma voz que clama para nós quando se fala em amigos é Milton Nascimento com sua música que tem marcado todas as épocas. Na morte de Aírton Senna todo o Brasil refletiu nesta música:

“Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves. Dentro do coração assim falava à canção que na América ouviu, mas quem cantava chorou ao ver seu amigo partir. Mas, quem ficou no pensamento voou com seu canto que o outro lembrou e quem voou no pensamento ficou com a lembrança que o outro cantou. Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito. Mesmo que o tempo e a distância digam não. Mesmo esquecendo a canção, o que importa é ouvir a voz do coração, pois, seja o que vier, venha o que vier, qualquer dia amigo eu volto a te encontrar, qualquer dia amigo a gente, vai se encontrar” (Milton Nascimento).

“Quanto mais cedo você fizer novos amigos, mais cedo terá velhos amigos” (Eric Berne).
Que a graça do eterno seja sobre nós!

2 comentários:

  1. Amizade, favor particular do céu, delícia e orgulho de mentes nobres, só concedida a homens e a anjos, negada a todo o mundo inferior.

    - Samuel Johnson

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  2. Gostei da postagem Marcelo. Gosto dessa tema e em muitas convesas com Deus peço sabedoria e coragem para me entregar a essa fidelidade referida no texto. Talvez essa nossa postura menos altruista, isolada e solitária no mundo seja reflexo de uma cultura que tenta nos convencer que a felicidade é um bloco de notas verdes.

    Boca doce granjeia muitos amigos e lábios afáveis atraem saudações. Sejam muitos os teus amigos, mas o teu confidente um só entre mil. Queres ter um amigo? Adquire-o com a prova e não te apresses em confiar nele; porque há amigo que se vai com o tempo, e no dia da tribulação não é constante. Há amigo que se torna inimigo, e descobrirá, para tua vergonha, querelas. Há amigo que só o é para a mesa, e que nos dias da desgraça desaparece; na tua prosperidade é como se fosse outro tu, na tua desventura afasta-se de ti; se te colhe o infortúnio, volta-se contra ti, e oculta-se da tua presença. Permanece afastado de teus inimigos, e com os teus amigos tem cuidado. Um amigo fiel é um refúgio poderoso, e quem o encontra, achou um tesouro. Amigo leal não tem preço, e nada se iguala ao seu valor. Bálsamo vital é o amigo fiel; os que temem a Deus o encontram. O que teme a Deus é constante na sua amizade porque qual é ele, tal é também o seu amigo.

    - Eclesiástico, 6,5-17


    Beijos,
    Nívea

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